Camarilha dos Quatro

Revista de crítica musical.

shed – the killer (2012; 50Weapons, Alemanha)

Shed é René Pawlowitz, um dos nomes principais do Techno alemão. O trabalho na lendária loja de discos Hard Wax foi decisivo na sua formação, e ainda hoje sua música é bastante influenciada pelo som raver dos anos 90. Desde o início da década passada, desenvolveu inúmeros projetos. O primeiro deles foi o selo Soloaction, que permaneceu ativo de 2003 a 2007 e se dedicou exclusivamente à música da autoria de Pawlowitz. De 2007 para cá, também produziu como STP, Wax, Head High, The Panamax Project, EQD, WK7 e The Traveller. Seus dois primeiros LPs, Shedding The Past (2008) e The Traveller (2010) saíram pelo Ostgut Ton, catálogo ligado ao clube berlinense Berghain. The Killer é seu terceiro álbum, e foi lançado via 50 Weapons, selo comandado pela dupla Modeselektor. (IC)

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“I don’t do this music that they play there every weekend”. A afirmação de René Pawlowitz a Todd L. Burns, do Resident Advisor, é apenas uma das inúmeras frases intrigantes desferidas nas escassas entrevistas que o produtor alemão aceitou ceder em pouco menos de dez anos de carreira. Por mais que ele não possa evitar ser enquadrado numa categorização simplista depois de dois álbuns lançados pelo Ostgut Ton (selo diretamente ligado ao clube Berghain, de Berlim), enxergando a trajetória do artista de uma perspectiva geral percebemos que a verdade por trás da frase tem perpassado sua carreira há anos: Shed não se encaixa. O que há de novo agora em relação aos LPs anteriores, e, o mais importante, o que faz desse disco mais “próprio” ao catálogo do 50Weapons que ao do Ostgut Ton? Afinal, The Killer nos parece tão deslocado do Electro arrasa-quarteirão de Modeselektor e companhia quanto The Traveller o era do Techno reto de Marcel Dettmann, Ben Klock, e do resto da turma do Berghain.

“What I do now is very old school, it’s not new. It’s already been out there for 20 years now”. O que diferencia Pawlowitz da maioria dos seus colegas no cenário do Techno alemão é a atitude de inventor. Se hoje mais do que nunca o foco criativo da música eletrônica está na Grã-bretanha – e a forte participação de britânicos no cenário alemão é uma prova disso -, aparentemente não sobram muitas opções para os que resolvem trabalhar fora do Hardcore Continuum. De fato, Shed parte do pressuposto que tudo está dado no Techno e que a ele resta isolar algumas partes e reorganizá-las em configurações diversas. Quando Pawlowitz está na sua melhor forma, é frequente a sensação de estarmos ouvindo alguém a tentar montar uma máquina, com motores e engrenagens que, uma vez encaixadas, estão prontas para receber camadas de emoção e ornamentos. É assim em “Ride On” e “Day After”, como era em “The Bot”, do LP anterior, faixa que ilustra muito bem essa metáfora com sua construção paciente, que se ergue aos poucos, quase num processo de tentativa e erro.

Esse espírito inventivo anda de mãos dadas com um notável trabalho de sampleagem e escolha de timbres. Os alicerces da música de Pawlowitz são apenas estilhaços da eletrônica dos anos 90 (do Dub Techno ao Hardcore Breakbeat), no entanto, são utilizados de maneira tão rigorosa e precisa que resultam em composições de solidez inquestionável. Cada fragmento que forma os padrões de bateria contém história e significado, vide o loop abafado de pratos em “I Come By Night”, um dos elementos mais preciosos do LP. De fato, o maior destaque em The Killer vai para o sequenciamento nada ortodoxo de batidas – fica difícil imaginar, por exemplo, uma “Phototype” tão forte sem o quebrado jogo pergunta-resposta de bumbo e caixa, e aqui os pratos parecem compensar a falta de retidão dos outros elementos – e não é à toa que as músicas sem batida parecem pálidas, como feitas somente para cumprir o protocolo do LP de Techno que deve contrabalançar as faixas mais dançantes com intervalos. Como Dave Huismans no seu projeto 2562, Pawlowitz, mesmo com tantos codinomes em aberto, tem muito claro e definido qual é sua marca quando assina como Shed. É essa abordagem que o faz único, em qualquer selo que decida lançar. (Igor Cordeiro)

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Publicado às 12 de outubro de 2012 por em álbum da semana e marcado , , , .